Já se passaram alguns dias desde a virada para 2018. Normalmente lá pelo meio de dezembro eu escrevo meus textões de final de ano, começo a lista de resoluções para o ano seguinte, me encho de esperanças de que finalmente começarei uma dieta e que vou emagrecer de verdade … mas dessa vez, pela primeira vez em 38 anos eu quis que tudo explodisse (e ainda quero).
Estou aqui sentada na varanda do meu apartamento, sozinha em casa, somente com o gato, contemplando o pôr do sol. Na verdade estou completamente depressiva no dia de hoje, nos últimos dias, na verdade desde o dia 18 de dezembro.
Neste dia eu iria a um evento da IGN para o lançamento de um jogo aguardado, mas antes que eu saísse de casa, recebi um telefonema do SAMU informando que meu pai havia passado mal na rua e que estava sendo levado para a emergência do Hospital de nossa cidade.
Chegando lá e depois de 4 horas de exames, eu soube que ele havia tido um AVC e que tivera todo seu lado esquerdo do corpo comprometido. Ele passaria a noite internado na emergência e no dia seguinte subiria para a ala de internação, e passaria por novos e mais complexos exames.
Ele ficou quatro dias internado e o diagnóstico era de que ele estava com uma trombo no coração — um coágulo — cuja única solução seria tomar um anti coagulante fortíssimo, mas que foi negado pelos médicos que informaram que era uma decisão de altíssimo risco — por ele morar sozinho e cair com frequência dentro de casa (ainda mais agora que estava com o lado esquerdo prejudicado). Desde o primeiro dia de internação ficou deitado, ninguém tinha ideia de como ele se portaria de pé.
No dia da alta meu marido me ajudou a levá-lo para a casa dele, e mesmo alugando uma cadeira de rodas, vimos que não existia possibilidade alguma dele se manter de pé sozinho. Ele não estava paralisado, mas perdeu 90% da força nas pernas e braços.
Silton e eu sozinhos não conseguimos ficar com meu pai, dá-lo banho ou levá-lo ao banheiro. Naquela sexta-feira, Silton me ajudou até onde deu, e depois voltou para casa. Fui pra casa com ele para tomar um banho e jantar. Em 30 minutos meu pai caiu do sofá e gritava por socorro a ponto do síndico do prédio me ligar desesperado. Nossos planos era de contratar uma cuidadora, mas naquele dia, me dei conta de que uma pessoa só nunca daria conta. Teriam que ser no mínimo duas pessoas, e dois turnos, ou seja, umas quatro pessoas. O custo disso seria absurdo e ninguém da família tem condições de pagar sequer uma pessoa só, quem dirá quatro!
Passei a noite lá, mas eu não dormi. Meu pai gemeu de dor a noite inteira. Além dos movimentos, a cabeça ficou um pouco mais confusa do que já estava. Para se ter uma idéia, ele queria tomar banho às 4hs da manhã, sendo que por volta das 22h eu já havia dado banho nele.
Foi desesperador. Naquela madrugada eu nunca me senti tão sozinha em toda minha vida.
Cheguei à conclusão de que eu não poderia cuidar dele, se o fizesse teria que renunciar à minha vida, minha casa, meu trabalho, meu casamento. Na manhã de sábado, conversei com um dos meus tios (irmão de meu pai) que estava intermediando as decisões dos irmãos; a ex mulher e todos concordamos que a melhor saída era leva-lo para uma casa de repouso onde teria assistência médica 24h por dia, teria semanalmente o auxilio de fisioterapeuta, psicologo, geriatra, nutricionista, etc.
Meu marido telefonou e visitou lugares próximos à minha residência, enquanto eu ficava com meu pai. Conversou com pessoas, pesquisou preços, e encontrou um lugar. Eu consegui aos poucos faze-lo entender que eu não conseguiria sozinha e que precisávamos todos de ajuda, toda ajuda que fosse possível. Ele aceitou ir para um lugar — desde que não fosse um ASILO. Eu consegui convencê-lo de que não era um — mas era, né?
Eu só sabia que na casa dele não era possível ficar. Além da condição física, o apartamento está sujo, é apertado, cheio de tranqueiras que ele não se livrava .. meu pai é acumulador de sujeira. Se fosse-mos contratar cuidadores, ainda teria a faxineira, ou pagar extra às moças para que cuidassem do apartamento. Impossível.
Naquela tarde de 23 de dezembro, enquanto todos planejavam suas ceias de Natal ou viajavam; eu acordada há mais de 24 horas sem dormir, com roxos pelo corpo inteiro por carregar meu pai para banheiro, com a roupa podre e fétida de suor, por eu ter dormido com ela, amarrotada, com gotas de sangue (das pernas do meu pai com feridas), Silton e eu carregamos meu pai na cadeira de rodas pela escada do prédio. Para completar o elevador estava em manutenção. Tivemos que descer 1 andar carregando-o.
Chegamos à Clínica — prefiro chamar o lugar de Clínica do que Asilo, do que Casa de Repouso — e eu precisei conter meu choro. A sala era cheia de idosos, algumas das senhoras estavam amarradas à poltrona. Foi uma das piores cenas que vi em minha vida. O Celso, dono da Clínica, fez uma entrevista comigo, para saber com quem meu pai dividiria o quarto, nos apresentou as acomodações, explicou como as coisas funcionam e então chegou a pior hora de toda a minha vida, a hora de sair de lá e deixar meu pai.
Eu mal consegui assinar a documentação, cai no choro (estou chorando agora enquanto escrevo isso). Me despedi de meu pai e sai aos prantos. A dona do lugar (não me lembro o nome dela) me abraçou e disse que lá meu pai vai ser muito bem tratado, disse que era para eu acalmar meu coração e então eu desabei. Devo ter chorado por umas 3 horas seguidas.
Minha dor era deixa-lo lá, junto com outros idosos; uns com Alzheimer, outros apenas com demência senil. Quando alguém morre, um ciclo se encerra. A pessoa descansa, os familiares ficam em paz (no começo dolorosamente), mas depois com a certeza que a pessoa está bem. Eu não. Não nesse caso. A dor só aumentou e não estou bem. Nada bem. Por mais que as pessoas, muitas pessoas me digam que tomei a melhor decisão que poderia ter tomado, foi a mais difícil. Não ter com quem contar é difícil. Tenho Silton, mas ele pode fazer pouco, embora já tenha feito muito. Por mais que eu saiba que se não tivesse sido assim, meu pai, eu e Silton, todos estaríamos sofrendo horrores, EU ter que tomar essa decisão é cruel. E não importa o que me digam, o que achem, eu não consigo mudar isso o que sinto, o que penso.
Estou de férias do trabalho e da terapia. A terapeuta nem sonha que tenha acontecido tudo isso. Estou de férias, mas eu nunca me senti tão cansada, tão triste, tão exaurida, tão desmotivada, tão desesperada, tão sozinha quanto tenho me sentido desde que tudo aconteceu.
Eu passei o Natal com a família do Silton, mas queria ter ficado sozinha em casa. Contava as horas para vir pra casa deitar. O ano novo eu passei na casa da minha mãe, mas foi como se eu não estivesse lá. Foi a virada de ano novo mais bizarra da minha vida. Pela primeira vez na vida eu não pedi nada ao universo, nem agradeci nada. Não fiz planos, não fiz listas, não pratiquei mantras, não mentalizei positivamente nem negativamente, não pensei em 2018, não tracei metas, nada.
Eu estou exausta.
Todos os dias fui à Clínica, talvez nesses 15 dias eu não devo ter ido lá uns dois …
Voltei ao trabalho depois de 20 dias de férias onde não consegui dormir mais de 5 horas por noite. Todo dia o risco eminente de meu pai me telefonar pedindo para eu ir buscá-lo, ou dizer que precisa “ir rapidinho” em casa. Se por algum acaso eu não atendo imediatamente sua ligação, ele deixa várias mensagens na caixa postal, em 1 dia ele já deixou mais de 12 mensagens. Se eu ouso desligar o meu telefone, ele liga desesperado para todos de sua lista de contatos dizendo que não consegue falar comigo.
Hoje estou com uma dor surreal em meu peito, bem no centro e muito forte ao respirar fundo. Estou postergando a ida ao pronto-socorro, mas creio que não vai ter jeito. Dizem que é emocional. Se for, preparem meu caixão.
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